Preços de Transferência: O Que Empresas Brasileiras Precisam Saber sobre Partes Relacionadas e os Riscos Fiscais

Em 2023, o Brasil iniciou uma mudança histórica em seu regime de preços de transferência ao alinhar-se aos padrões internacionais da OCDE. A Lei nº 14.596/2023 traz atualizações profundas para as empresas brasileiras que realizam transações com partes relacionadas no exterior. Esses ajustes são importantes para evitar práticas abusivas que reduzam a carga tributária ou resultem em autuações fiscais significativas. Neste artigo, vamos esclarecer como as novas regras afetam as empresas, explicar o conceito de partes relacionadas e destacar o que os empresários precisam fazer para se adequar ao novo cenário regulatório.

O Que São “Partes Relacionadas”?

No contexto da Lei nº 14.596/2023, as “partes relacionadas” incluem qualquer relação comercial ou financeira entre empresas que tenham algum grau de controle ou influência uma sobre a outra. Essa relação pode ser direta (como a matriz e suas subsidiárias) ou indireta (como empresas do mesmo grupo econômico). A influência pode surgir de várias formas, incluindo:

Participação acionária: Quando uma empresa detém uma participação significativa em outra, direta ou indiretamente, gerando influência sobre suas decisões. Por exemplo, se uma empresa A detém 25% dos lucros da empresa B, elas são consideradas partes relacionadas.

Controle: Inclui controladoras e controladas, coligadas e entidades que fazem parte de demonstrações financeiras consolidadas de um mesmo grupo econômico.

Operações Financeiras: Empréstimos intercompanhia, transferências de ativos intangíveis (como patentes e marcas) e acordos de prestação de serviços entre empresas do mesmo grupo, tanto nacionais quanto internacionais.

O empresário deve estar atento ao fato de que a definição de partes relacionadas na legislação é bastante ampla. Isso inclui também operações com empresas estrangeiras pertencentes ao mesmo grupo econômico e qualquer outra transação que possa ser influenciada por relações de controle.

Alinhamento com as Diretrizes da OCDE e o Princípio da Plena Concorrência

A nova legislação traz uma mudança significativa ao adotar o Arm’s Length Principle (Princípio da Plena Concorrência), em linha com as práticas da OCDE. Isso significa que, para fins tributários, as operações entre partes relacionadas devem ocorrer como se fossem realizadas entre partes independentes, em condições de mercado. Em termos práticos, as empresas brasileiras devem determinar o valor de suas operações – como vendas, empréstimos, serviços e transferências de ativos – de acordo com os preços que seriam praticados entre empresas não relacionadas em situações semelhantes.

Imagine que uma empresa brasileira venda um produto para sua subsidiária em outro país por um preço inferior ao praticado no mercado. Se essa transação for vista pela Receita Federal como uma tentativa de transferir lucro para uma jurisdição com menor tributação, a empresa estará sujeita a ajustes fiscais.

Riscos de Não-Conformidade e Ajustes Fiscais

O não cumprimento das regras de preços de transferência pode acarretar graves consequências fiscais para as empresas. A Receita Federal tem o poder de revisar as transações e, caso identifique que os valores não estão em conformidade com o princípio do Arm’s Length, pode ajustar o lucro tributável da empresa, resultando em multas e autuações. Além disso, com a nova legislação, a autoridade fiscal brasileira se alinha aos padrões internacionais, aumentando a capacidade de fiscalização das operações transnacionais das empresas.

Um ponto de atenção é que os ajustes fiscais podem levar à chamada “dupla tributação”. Isso ocorre quando um país ajusta o lucro tributável de uma empresa com base em regras de preços de transferência, enquanto o outro país envolvido na transação não reconhece o ajuste, gerando tributação em ambas as jurisdições. Portanto, é fundamental que as empresas mantenham documentações precisas e estejam prontas para fornecer informações detalhadas sobre seus preços de transferência para evitar conflitos fiscais.

Como as Empresas Devem se Preparar para a Nova Legislação?

Revisão de Contratos e Políticas Internas: As empresas precisam revisar suas práticas de negócios, contratos e políticas de preços de transferência para garantir que estejam em conformidade com o novo princípio da plena concorrência. É importante revisar todas as transações internacionais, incluindo venda de produtos, prestação de serviços, transferências de tecnologia e empréstimos intercompanhia.

Documentação de Preços de Transferência: A Lei nº 14.596/2023 e a Instrução Normativa RFB nº 2161/2023 impõem a necessidade de uma documentação robusta que demonstre a conformidade dos preços praticados. Isso inclui:

  • Estudos Comparativos: Análises que comprovam que os preços praticados nas transações entre partes relacionadas são consistentes com os preços de mercado.
  • Métodos de Avaliação: Aplicação dos métodos previstos na legislação, como o Método do Preço Comparável no Mercado (Comparable Uncontrolled Price Method – CUP), Método do Custo Mais Lucro (Cost Plus Method) e outros métodos que a legislação detalha.
  • Relatórios Financeiros: Documentação que comprove as condições de mercado e os resultados financeiros das transações realizadas.

Métodos de Avaliação de Preços de Transferência: A legislação brasileira oferece diferentes métodos para avaliar se os preços de transferência estão alinhados ao princípio da plena concorrência. Os principais métodos são:

  • Método do Preço Independente Comparado (PIC): Compara o preço de bens, serviços ou ativos intangíveis praticados nas transações controladas com o preço praticado em operações semelhantes entre partes independentes.
  • Método do Custo Mais Lucro (CPL): Estabelece o preço de venda com base no custo da produção do bem ou serviço, adicionando uma margem de lucro.
  • Método do Preço de Revenda Menos Lucro (PRL): Utilizado quando a empresa vende produtos adquiridos de partes relacionadas. A legislação define margens de lucro para calcular o preço de transferência correto.

A escolha do método mais apropriado depende da natureza da transação e da disponibilidade de informações comparáveis.

Treinamento e Atualização de Equipes: As equipes de contabilidade, fiscal e jurídica devem ser treinadas para compreender as novas regras de preços de transferência e acompanhar as atualizações regulatórias. O entendimento correto das obrigações fiscais e a capacidade de aplicar os métodos de avaliação são essenciais para a conformidade.

Estratégia para Evitar Riscos de Dupla Tributação: A nova legislação também coloca em destaque a necessidade de as empresas considerarem tratados internacionais para evitar dupla tributação. Empresas que realizam transações com partes relacionadas em outros países devem analisar as convenções fiscais vigentes e, se necessário, buscar acordos preventivos de preços de transferência (Advance Pricing Agreements – APAs) para mitigar riscos.

    Impactos Positivos da Conformidade

    O alinhamento com as regras da OCDE é um avanço para o ambiente de negócios no Brasil, pois traz mais transparência e segurança jurídica às transações internacionais. Empresas que adotam boas práticas de preços de transferência conseguem:

    • Evitar autuações fiscais: A conformidade com a legislação reduz o risco de ajustes fiscais e multas, garantindo a estabilidade financeira da empresa.
    • Melhorar a reputação internacional: Adotar padrões internacionais de preços de transferência fortalece a imagem da empresa e facilita a realização de negócios globais.
    • Segurança nas operações internas: A adequação aos princípios de plena concorrência permite uma gestão mais eficiente das transações e do fluxo financeiro entre as diferentes empresas do grupo.

    Conclusão

    O novo regime de preços de transferência brasileiro representa uma mudança significativa para as empresas que realizam transações com partes relacionadas, especialmente no exterior. Com a Lei nº 14.596/2023 e a Instrução Normativa RFB nº 2161/2023, o Brasil reforça a importância do alinhamento com os padrões internacionais, estabelecendo regras claras para evitar práticas abusivas e promover uma tributação justa.

    Para o empresário brasileiro, estar atento a essas mudanças é essencial. A conformidade com a nova legislação não é apenas uma obrigação tributária, mas também uma estratégia para mitigar riscos, evitar autuações fiscais e fortalecer a presença no mercado internacional. Dessa forma, a adoção de uma abordagem criteriosa e documentada das operações com partes relacionadas se torna um passo imprescindível para o sucesso e a longevidade das empresas em um cenário global cada vez mais regulado e competitivo.

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